VINHOS DE INVERNO



Vinhos de inverno

Minas Gerais e Goiás elaboram vinhos tintos finos de qualidade ao usar uma técnica inovadora – a dupla poda – que inverte o ciclo natural da videira, como acontece na região cafeeira de Três Corações

Na atual estação do ano, o outono, as videiras do Sul do Brasil estão descansando. Mas na região Sudeste, em uma experiência inédita, as vinhas estão em plena fase de maturação. Quando chegar o inverno, em junho e julho, elas estarão prontas para ser colhidas, enquanto as videiras do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, os dois principais estados produtores de uvas e vinhos do país, estarão em pleno repouso. “Enganamos a videira”, brinca o viticultor Murillo de Albuquerque Regina, com um sotaque mineiro inconfundível.


Murillo de Albuquerque Regina, da Epamig 
da Vinícola Estrada Real: "Enganamos a videira"
O pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) foi o primeiro a aplicar a técnica que altera o ciclo natural das videiras, por meio da dupla poda, com o objetivo de produzir uvas Vitis viniferas na região cafeeira de Minas Gerais, de 800 a 1.000 metros de altitude. Já ganhou seguidores na região Centro-Oeste do Brasil, como o médico Marcelo de Souza, em Goiás, e outros produtores de São Paulo e do próprio Sul de Minas, totalizando 150 hectares de vinhas implantadas com dupla poda – 40% delas em produção neste outono/inverno. O investimento, só em vinhedos, supera os R$ 8 milhões somados todos os projetos supervisionados pela Epamig em Minas e São Paulo. 

Inspirado pelo botânico francês Auguste Saint Hilaire, que em 1819 atravessou as montanhas do Sul de Minas Gerais, Murillo acreditou ser possível elaborar vinhos de qualidade na região Sudeste. Há praticamente dois séculos, ao percorrer as nascentes do Rio São Francisco, Saint Hilaire registrou em suas anotações “a notável superioridade das uvas colhidas no inverno com relação as do verão”.

Com a cedência de uma área na sua fazenda em Três Corações, no sul de Minas, nesta mesma região percorrida por Saint Hilaire, o médico ginecologista Marcos Arruda Vieira permitiu o início das pesquisas da Epamig, há mais de uma década, sob a coordenação de Murillo, engenheiro agrônomo e especialista em viticultura com PhD na Universidade de Bordeaux, na França. O projeto científico financiado pela Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) e pelo CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), com apoio de órgãos públicos, já recebeu em torno de R$ 300 mil desde 2003. 


> Vinhedos em espaldeira da Vinícola Estrada Real, no
Sul de Minas Gerais
A dupla poda altera o ciclo natural da planta, desviando o período de maturação da uva para o inverno. A técnica consiste no primeiro corte dos galhos da videira em setembro para formação de ramos e o segundo em janeiro ou fevereiro para produção. Este é o segredo que permite o surgimento de vinhos finos de qualidade no Sudeste e Centro-Oeste do país, tanto em Minas Gerais, como em Goiás e São Paulo. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina é feita uma poda só, de produção, em agosto ou setembro. A dormência dos vinhedos no Centro do país acontece no verão. Elas despertam via de regra depois do Carnaval por meio do uso do fitormônio Dormex (cianamida hidrogenada), um estimulante da brotação cujo objetivo é uniformizar a brotação das gemas, aplicado logo após a poda (tanto de formação quanto de produção). 

Assim, as fases de crescimento, maturação e colheita, que normalmente ocorreriam no período das chuvas, na primavera e no verão (de agosto a março), passam a acontecer no período de seca, no outono e no inverno (de abril a julho e às vezes até agosto). “Com o ciclo invertido, conseguimos as condições ideais de clima para a produção de uvas maduras e sadias, com dias ensolarados e secos, seguidos de noites frias”, explica Murillo. 


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